Festival 2000: Stereolab, erros e 48h sem dormir
No Algumas Pessoas Tentam te Fuder de 2000, uma banda convidada mais do que especial: Stereolab. A Motor Music estava trazendo a banda ao Brasil para divulgar o EP “The First of Microbe Hunters”, lançado em CD pela produtora/gravadora mineira. Nos foi oferecido produzir o show no Rio de Janeiro.
Era um show caro, mas a Motor sempre foi muito parceira nestes eventos. Os shows mais bacanas do final dos anos 90 e começo dos 2000 foram produzidos por Boffa & cia: Superchunk, Mudhoney, Luna, Teenage Fanclub, Stereolab, Mogwai, Fugazi, NOFX, Lagwagon, Asian Dub Foundation, Man or Astroman. O Stereloab tocaria no Festival Eletronika em BH dois dias antes, depois no Algumas Pessoas (RJ), dai seguiria para Santiago, Buenos Aires e finalizaria com 2 noites no SESC Pompéia, em São Paulo.
O local escolhido foi o Cine Íris, onde os também parceiros da Casa da Matriz ajudariam com toda infraestrutura. Seria um final de semana especial com o Algumas Pessoas Ainda Tentam… na sexta 18 de agosto de 2000; e uma edição especial da festa Loud! com Jupiter Apple no sábado.
Tivemos que abreviar o nome do festival, tirando o “Fuder”, uma exigência do British Council para apoiar o festival. Ainda assim, na sexta, fizemos questão de incluir três bandas do midsummer madness: Stellar, 4Track Valsa e Pelvs.
Apesar de já ter experiência de 2 edições anteriores do festival, era nossa primeira vez com shows internacionais. Mesmo assim, resolvemos encarar. A ordem dos shows era inusitada: Stellar abriria a noite, seguida do Stereolab(que precisava voltar cedo para o hotel, para descansar para o viagem e show do dia seguinte) e só depois Casino (ex-4Track Valsa) e Pelvs. Parecia que algo já havia começado errado. O Stereolab chegou no Rio na quinta feira e foi passear: jantar em Santa Tereza, Copacabana, Ipanema, Cristo Redentor, comprar vinis em sebo.
No dia do show, Dodô, ex baterista da Pelvs e então dono do Estúdio Freezer, apareceu com uma produtora de vídeos para registrar a passagem da banda pela cidade, transformando o material em um documentário a ser exibido na Sky.
Como isso não havia sido combinado previamente com a banda, mais um item a ser negociado, mais equipamentos para levar para o precário Cine Íris, mais pessoas no palco… um stress sem fim… mas que virou este documentário bacana:
[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=cbVk5aXheLM[/youtube]
A banda veio ao Brasil com Laetitia Sadier (vocal, teclados), Tim Gane (guitarra, teclados, voz), Mary Hansen (vocal, guitarra, tamborines), Andy Ramsey (bateria, percussão, vocal), Simon Holiday (Farfisa) e Simon Johnson (baixo). No dia do show, chegaram no Cine Íris por volta das 20h, para a passagem de som e … surpresa: os shows eróticos promovidos pelo cinema ainda estavam rolando (com trocadilho). A banda ficou sem entender quando pessoas da produção tentaram impedí-los de entrar no cinema… mas o pior: sem palco montado, a passagem de som atrasaria bastante.
E os problemas não acabavam ai: o teclado alugado para o show não agradava em nada à banda, o modelo que eles queriam simplesmente não existia no Rio de Janeiro… Gustavo Seabra (Pelvs) se candidatou a buscar um Farfisa que estava emprestado no Estúdio Freezer, mesmo sabendo que o trambolho pesa fácil uns 50 quilos.
Conclusão: lá pelas 22h, quase na hora do cinema abrir, com pessoas já fazendo fila na porta, o Stereolab terminou a desastrosa passagem de som. Marcos Boffa, da Motor Music e tour manager da perna brasileira, se lembra vagamente: “Toda banda gringa tem uma expectativa enorme de se apresentar no Rio. Eles estavam felizes. Contudo, a passagem de som foi insana. Não dava para acreditar a quantidade de cabos que se enroscavam no palco. Parecia um ninho de cobras“. Prenúncio de uma noite terrível.
Por causa do atraso, a ordem das bandas foi mudada e perto das 23h30, o Stereolab subiu ao palco. Para surpresa dos produtores, o som estava sensacional, todos blips & blops ouvidos perfeitamente! O cinema estava abarrotado, talvez um dos maiores públicos do local.
O show deve ter durado quase 1h… alívio? Nada, ainda faltavam três bandas para tocar. Assim como nas edições anteriores, a mítica de que alguma banda iria se dar mal, se repetiu: com tudo atrasado, a Pelvs decidiu não tocar para ceder a vez ao Stellar e 4Track Valsa.
Então, o Stellar fez um show impecável, com Gustavo na bateria, Régis no baixo, Sol, Bia e Fábio L. nas guitarras. Este foi o penúltimo show e uma oportunidaderara de ver o Stellar tocar ao vivo.
Sol Moras, que já tocava com a banda desde o disco “Transmigrations” e que acabara de lançar o EP “4” conta a dificuldade que foi reunir a turma: “(O Leandro) meio que deu uma sumida, não apareceu nuns ensaios, tava concentrado em outras paradas. Não teve passagem de som, foi tudo corrido, já fiquei feliz da gente ter conseguido fazer uns 2 ensaios antes do show“.
E no repertório, Sol relembra que fez “…força pra que a gente tocasse as mais ‘conhecidas’ da primeira demo e do Ultramar, pra fazer um show que as pessoas que já conheciam curtissem, uma apresentação que eu, se estivesse na platéia, gostaria de ver. O Fábio aceitou isso com grande resistência, se dependesse dele a gente faria um show improv”. A receita do Sol deu super certo, veja:
[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=zFD4pALA9i0[/youtube]
Maria de Fátima, do 4Track Valsa, lembra vagamente da noite: “A passagem de som do Stereolab demorou uma eternidade. Acredito que tenha sido pela acústica horrível do Cine Íris, era uma reverberação insolúvel. Mas depois, subi no palco e fiquei meio absorta. Tocamos quatro músicas e encerramos o show por problemas técnicos“.
Para piorar, “roubaram a câmera do Julio (baixista) no camarim e tentaram roubar a pedaleira da Cecília. Mas a gente descobriu lá mesmo que um cara do som tinha colocado uma lona por cima e malocado a pedaleira em outro lugar do palco. Deve ter sido a mesma pessoa que roubou a câmera do Julio…“, lembra Fátima. Alguns meses depois, o 4Track Valsa mudou nome para Casino e lançou este incrível EP, ouça.
E assim, a terceira edição do Algumas Pessoas terminou, aos trancos e barrancos, com a Pelvs se fudendo desta vez. Teve Caetano Veloso tietando Almodóvar na plateia e fotinho em coluna social. Depois de 48h sem dormir, voltamos de ônibus do aeroporto do Galeão, passando mal, mas feliz pelo belo show.
Importante citar o apoio do Manoel Lelo (Jazz Mucha), que investiu dinheiro para que o festival acontecesse e do apoio e das artes da filha dele, Mate Lelo, que fez toda programação visual para filipetas, cartazes e afins.
Mais fotos do querido Cadu Pilotto: