Discografia completa da Luisa Mandou um Beijo no streaming
Hoje, 21/12/2020, a discografia completa da banda carioca Luisa Mandou um Beijo está sendo relançada nos serviços de streaming. Antes, apenas o 1º álbum, lançado originalmente em 2004, estava disponível. Com o relançamento, os álbuns de 2009 e 2011, todos intitulados “Luisa Mandou um Beijo”, assim com o primeiro EP, lançado em CDr pelo midsummer madness em 2001, estão disponíveis.
Para relembrar um pouco da banda, fizemos uma entrevista por email com Fernando Paiva, guitarrista e um dos fundadores do Luisa Mandou um Beijo.
Como começou? Era você e a Flávia sozinhos? De onde vocês se conhecem?
Luisa começou como um projeto solo meu. Eu tinha uma série de composições e decidi gravá-las em casa, numa mesa de 4 canais em fita K7, entre 1998 e 1999. Gravei as guitarras, baixos e uns barulhinhos. Como não gostava da minha voz, acabei convidando a Flávia Muniz para cantar. E chamei um amigo das antigas, o Fabiano, para gravar bateria. Essa fita demo teve boa repercussão na mídia alternativa e começaram a aparecer convites para shows. Foi aí que decidi montar a banda e convidei os outros integrantes para ensaiarmos. Nosso primeiro show foi em 2000.
Quando entraram os outros integrantes? (PP, PC, Shockbrou…quem era o baterista?) De onde vocês se conheciam? Alguém tocava em bandas anteriores?
Conheci a Flávia de uma outra banda que tivemos juntos, a Candongas Não Fazem Festa, um projeto de MPB que nunca chegou a gravar nada, mas fez alguns shows no circuito universitário. O trompetista da Luisa é o Daniel Paiva, meu irmão. O Pedro Paulo, que é o outro guitarrista, eu conheci no colégio: estudamos juntos no CAp-UFRJ. O PC, baixista, era namorado de uma colega minha de trabalho no Jornal do Commercio. E o Luciano, baterista, foi uma indicação do Rodrigo Brandão, guitarrista do Leela, que tinha me ajudado a mixar a fita demo ao transferi-la para mídia digital.
Antes da Luisa, o meu irmão, Daniel Paiva (Shockbrou), tocou no Super Saia Jeans. O Pedro Paulo (PP) tocou no Coreflakes e Essential Tension (aliás, banda maravilhosa, da qual guardo muita saudade). A Flávia cantou no Candongas Não Fazem Festa e no 1999 (outra banda de MPB do milênio anterior). O PC acho que não tinha tido banda, ou pelo menos eu não lembro. E o Luciano tocava no Leela.
O nome da banda vem da vontade de soar dadaísta… era por ai mesmo?
Sempre me interessei por arte e teoria da arte, e dadaísmo é um dos movimentos que mais me encanta. Acho que tem um toque dadaísta, sim, mas não completamente. Diria que é um flerte com o dadaísmo, porque no fundo, não é desprovido de sentido. Luisa Mandou um Beijo para mim conota uma série de sentidos que me são caros e que eu queria transmitir de alguma maneira com a banda. Me remete a carinho, saudade, feminilidade. Mas não existe nenhuma Luisa.
E o lance de cantar em português? Todas as bandas que vcs gostam cantavam em inglês, não?
Na adolescência tive uma banda pseudo-punk que cantava em inglês (e eu era quem cantava!). Minhas bandas favoritas todas cantavam em inglês, tanto as estrangeiras (Pavement, Broken Social Scene) quanto as nacionais da época (Pelvs, Essential Tension). Mas, ao mesmo tempo, eu começava a ser influenciado por MPB, escutando Caetano antigo, Cartola, Mutantes, e também pela minha experiência com o Candongas.
Além disso, sempre gostei de escrever (sou jornalista e escritor), e acho que no fundo sempre fiz arte para poder escrever. Literatura sempre fez parte da minha vida, sempre me vi como escritor, desde pequenininho. Acho que aprendi a tocar violão e a fazer músicas para poder botar letra. Até quando arrisquei pintar gostava de escrever nos quadros. E, bem, eu falo português, é a língua com a qual me expresso melhor, que domino melhor. Naturalmente, preferi compor em português. Sempre acreditei que seria possível fazer músicas indie com letras bacanas em português. Só não nutria muita esperança de entrar para a midsummer, pois (quase) todas as bandas do selo cantavam em inglês, Minha esperança residia em Fellini e Casino! :)
Começo dos anos 2000, Los Hermanos estava bombando né? Quais a influência disso no LMUB? Como vocês se enxergavam na “cena” carioca?
A gente já tinha as nossas músicas, já ensaiava, já estava gravando coisas quando os Los Hermanos apareceram. Vi alguns dos primeiros shows deles. Não posso dizer que tenham sido uma influência mas gosto muito do trabalho deles. Considero uma banda muito, muito boa, tanto musicalmente quanto liricamente. Tenho todos os discos.
Como o midsummer madness chegou em vocês? Ou vocês que chegaram em mim? rsrs Eu sinceramente não lembro… tenho vagas lembranças de uma indicação do Letier talvez, e de um show em Botafogo, talvez no Lugar Comum… procede?
Eu acho que deixei a fita demo com você na MTV em 1999 ou 2000, num escritório ali em Botafogo (é possível?) ([n.d.r.: sim, em 1999 eu trabalhava como produtor da MTV no Rio de Janeiro e o prédio ficava em Botafogo) Mas você não deu bola! rs Um tempo depois o Letier escutou algum show e botou pilha em você. Foi aí que gravamos aquele EP com a capa do telefone para lançar pela midsummer. Eu já curtia Pelvs e 4Track Valsa!
Pro 1º disco, como a Volume I entrou na estória? [n.d.r. a Volume I foi um selo de São Paulo, capitaneado por Francisco Mitkus, que lançou além do LMUB, Starfish e The Concept]
A Volume I veio nos procurar, mas não lembro como, interessados em nos lançar, mas a gente já estava com a midsummer. Eles tinham grana pra bancar a prensagem, então propusemos a parceria entre os dois selos.
[matéria sobre o Luisa Mandou um Beijo no blog alemão Coast is Clear em 2005]
E o lance de não ter foto no começo? E de titular todos álbuns como Luisa Mandou Um Beijo? Da onde vem isso? Era só de sarro? :D
Esse é o meu lado de artes plásticas, eu acho. Foto de banda é tudo igual, muito sem graça. Por que não aproveitar para fazer algo diferente? Ali sim rolou um dadaísmo forte. A primeira foto da banda era uma imagem em preto e branco de cinco objetos sem sentido nenhum (uma batata, uma colher, sei lá mais o que, um do lado do outro). E tinha uma legenda com os nossos nomes. Depois, produzi uma foto de 6 playmobils em cima de um mapa do Rio de Janeiro (aí já tinha algum sentido, bem menos dadaísta, mas ainda alternativo).
Mas talvez a jogada mais diferente foi ter apresentado como imagem da banda uma tirinha em quadrinhos feita pelo meu irmão, Daniel Paiva, no lançamento do primeiro disco, inspirada no nome Luisa mandou um beijo.
Sobre os titulos do disco, eu achava o seguinte: o nome da banda já é grande demais para ainda darmos nome para os discos. Mas, claro que, no fundo, tinha também uma vontade de ser diferente, neste caso, deixando as pessoas nomearem cada disco como preferissem, geralmente pela capa. Aquele EP da midsummer a gente chama entre nós de “o EP do telefone”. Mas acabou que os discos seguintes acabamos chamando pela ordem com que foram lançados (primeiro, segundo e terceiro). Ou seja, bem sem graça rs. Mas ainda acho até hoje estiloso ter um disco “s/ título”. Acho que faz alusão a muitas obras de arte que não têm título e são apresentadas assim nos museus.
O primeiro disco tinha músicas só suas né? Eram as músicas do começo do projeto, como todo 1º disco?
Sim, eram só minhas. Eram do começo do projeto.
[Em 2006, “Amarelinha” entrou na coletânea “Peach Little Secrets” do selo Fruit Records de Singapura e “Com um Pote de Geleia de Morango nas Mãos” na coletânea “Let it Bee” do selo italiano My Honey]
Qual chave mudou para que no 2º álbum todos compusessem? E como era essa democracia dentro da banda?
Não acredito em organizações hierárquicas. Ou melhor, nào gosto de participar delas. Elas podem funcionar para determinados propósitos, em determinadas situações. Mas eu gosto mesmo é de organizações horizontais e democráticas, com o poder compartilhado igualmente entre todos os participantes. Não gostava da ideia de ser visto como o “líder” da banda. Queria que a Luisa fosse um projeto coletivo. Quando convidei os outros participantes, deixei claro que podiam mudar à vontade os arranjos existentes.
Se você ouvir “Amarelinha”, “Bahaus Today” e outras músicas da fita demo que eu gravei praticamente sozinho e comparar com a gravação final do primeiro cd vai perceber como as músicas mudaram. O PP criou novas guitarras, o PC, novos baixos. Cada um tinha total autonomia sobre seu instrumento. A gente evitava dar pitaco no arranjo do outro.
A ideia era cada um ter liberdade com seu instrumento. E naturalmente surgiram composições de outros integrantes que foram sendo incorporadas aos poucos no nosso repertório. O terceiro disco é o mais plural de todos nesse sentido. Isso tb foi transformando a cara da banda.
Aonde vocês ensaiavam? Ensaio era uma coisa prazerosa?
A gente passou por dezenas de estúdios. Foram 12 anos tocando juntos, né? Ficávamos uma temporada em cada um. Ensaiamos muito em Botafogo, no Hanói e no Fórum. Teve uma época que era na Praça da Bandeira, no estúdio do Fabiano, e a gente voltava tarde pra casa. No fim da banda era na Glória, no estúdio Jamaica, onde gravamos o terceiro disco. Sim, era sempre um prazer ensaiar. Eu gostava muito. A gente não encarava a Luisa como um trabalho, mas como um hobby, um lazer, ou como arte.
E shows? Quais foram os memoráveis? Eu me lembro do Humaitá pra peixe, da Cat Power… qual mais?
Acho que Cat Power no Rio e a Virada Cultural em São Paulo foram os mais importantes. A Virada Cultural foi nosso maior público, tinha mais de 1 mil pessoas assistindo.
Tenho muito carinho também pelo nosso primeiro show em São Paulo, no CCSP, organizado pelo Marcio Yonamine:
Lembro também de um show em Santa teresa que só tinha quatro pessoas, mas uma delas era o Ronaldo Lemos (antes da Globonews). Lembro também de outro show em São Paulo em uma boate que o Ronaldo Lemos foi assistir e depois comprou cerveja pra banda inteira, de tão feliz que ele tava de nos ver.
Mas o show mais encantador foi o lançamento do primeiro disco em São Paulo, na Funhouse, Tinha saído uma matéria na Folha no mesmo dia sobre o disco, então tava fazendo fila fora da casa pra entrar. Estava mega lotado e tinha gente cantando alto as músicas principais, que a gente havia disponibilizado previamente na Internet (“Amarelinha” e “Bauhaus Today”). Foi uma das poucas vezes em que a gente pôde ouvir a galera cantando mais alto que a voz da Flávia. Foi uma sensação arrepiante, uma felicidade incrível. Uma das noites mais felizes da minha vida.
Por onde a banda tocou no Brasil?
Somente eixo Rio-São Paulo. No máximo algumas cidades próximas, como Niterói e Sorocaba. Rolaram convites para festivais em outros estados, mas nunca cobriam os custos. Então a gente recusava. Uma das nossas regras era que não topávamos pagar para tocar.
Quem corria atrás dos contatos gringos: a banda? Ou vcs eram procurados?
A maioria dos contatos gringos procuraram a gente. Mas o contato inglês que lançou o disco lá fui eu que catei, só não lembro como agora, rs. Com certeza foi buscando na Internet na época.
O terceiro álbum para mim parece mostrar uma ruptura. Você se lembra do que estava rolando na época, porque as músicas soam mais brasileiras e menos LMUB?
Tem a ver com o aumento da pluralidade dentro da banda. Mais músicas da Flávia, do Pedro. Acho que talvez eu também estivesse mais maduro musicalmente, escutando outras coisas. A gente foi caminhando numa direção de mais experimentação. Mas acho que continua sendo rock.
Da onde veio a Multifoco? [n.d.r. a Multifoco era uma livraria, editora e gravadora do Rio de Janeiro que lançava livros em pequenas tiragens, e começou a lançar também discos. O 3º álbum da LMUB foi lançado pelo midsummer madness em parceria com a Multifoco]
Rapaz, não lembro! rs Acho que era um contato da Flávia, que lançou uns livros com eles.
O que aconteceu de promoção, ação de vcs com o 3º disco? Pergunto pq já estava morando em SP e não lembro de muita coisa…
A gente já estava cansando um pouco. Acho que fizemos algum barulho antes do disco em si, com um crowdfunding pra bancar a gravação. Mas depois fizemos apenas um show, o de lançamento do álbum, no Centro da Cultura Carioca, na Tijuca. Tinha também a questão de que eu ia ser pai. A mixagem foi durante a gravidez do meu primeiro filho. O Bernardo nasceu em maio e o show de lançamento foi em junho. Depois disso pedi pra banda pra gente dar um tempo, porque eu precisava ficar mais em casa com o bebê e minha companheira. E foi aí que paramos de ensaiar e de fazer shows.
Quando e porquê a banda parou?
Além do nascimento do meu primeiro filho, todos os outros integrantes estavam com outros projetos aos quais precisavam dar mais atenção. O Daniel estava com a Orquestra Voadora bombando. A Flávia estava gravando os discos solo dela. O Pedro pouco depois virou pai também… Isso tudo contribuiu. Mas nunca conversamos sobre “fim da banda”. Foi na verdade um tempo que demos e que nunca terminou. Quem sabe a gente não volta algum dia?
Quais são os projetos pessoais de cada um hoje?
Eu me dediquei mais à literatura desde então. Hoje tenho cinco livros publicados (dois romances, dois de contos e um infantil). E aproveitei também para gravar algumas músicas com o Dimitri BR e o Hofty em um projeto chamado A Última Peça. A Flávia seguiu carreira solo e dá aula de música para crianças. O Daniel tem a Orquestra Voadora. O PP aprendeu trombone e hoje dá aula na oficina da Orquestra Voadora.
Qual a importância de ter a discografia no streaming?
Streaming é o canal onde as pessoas escutam música hoje em dia. Não estar no streaming é quase como se a banda não existisse. Acho quase que obrigatório. Claro que há vários outros caminhos possíveis, mas o streaming é bacana por ser um canal universal e ser, provavelmente, o mais popular atualmente.
Ouça todos os discos do Luisa Mandou um Beijo na página oficial da banda
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Todos os videoclipes da Luisa Mandou um Beijo:
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