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Em 2019, após um longo período sem um álbum propriamente dito, o Churrus lançou “Atlantic Railroad” e, com ele, entregou não somente um belo conjunto de canções, como um contexto, em partes, autobiográfico, mas também de intercâmbio cultural e histórico entre Brasil e Inglaterra.

Dentre as composições de Matheus Lopes e Luís Couto (ambos guitarristas e vocalistas), Túlio Panzera, fundador e também vocalista e guitarrista do Churrus, apresentou sua reflexão particular sobre sua relação de idas e vindas com a Inglaterra, através de uma imaginária “ferrovia atlântica” conectando São João del-Rei – o berço da banda – a Bristol, cidade na qual Túlio viveu pela maior parte dos anos em que trabalhou em seus pós-doutorados em engenharia aeroespacial. A própria constituição de sua família, o crescimento dos pequenos filhos, passa por essa ponte suspensa em Clifton Village.

Além de uma saudade ambígua, sentindo falta de suas raízes quando em terreno britânico, e dos parques e vilarejos ingleses quando no Brasil, Túlio resgatou também uma relação histórica entre São João e Inglaterra, que vem desde o período colonial. Uma via de mão dupla, na qual os britânicos levaram muito ouro, mas trouxeram conhecimento e participaram ativamente da cultura e da história local, com uma série de participações fundamentais nas estruturas ferroviárias e arquitetônicas, tão apreciadas do patrimônio da histórica cidade colinal mineira. Contribuições sólidas até os dias atuais, que podem ser contempladas em edificações da cidade, como igrejas e colégios.

Também veio da Inglaterra, no século XIX, a primeira vacina antirrábica da história de SJDR. Em 1848, o professor inglês Richard Duval fundou na cidade o Colégio Duval, onde era ensinado Letras, Religião, Latim, Inglês, Francês, Aritmética, Geometria, Filosofia, Geografia, História, Retórica, Desenho e Música Vocal e Instrumental. E que contou com o sanjoanense José Maria Xavier, renomado padre católico e compositor de música sacra, em seu corpo docente. Dentre os reconhecimentos do sacerdote, estão a cadeira de número 12 da Academia Brasileira de Música e a admiração de D. Pedro II, que ouvia sua obra enquanto viajava em 1881. É com uma de suas peças, “Aleluia do Ofício de Sábado Santo”, em sua introdução que “Trashed Mind” dá o chute na porta em “Atlantic Railroad”.

Passado o momento aula de História, é interessante acreditar que toda essa influência ecoa em São João até hoje, e que não é por acaso que bandas como o Churrus soem como soam. Dito isso, dado o caráter histórico e biográfico deste último álbum, ótimas músicas acabaram ficando de fora, simplesmente, por não dialogarem com a proposta ali abordada. E tais pérolas têm sua justíssima compilação lançada agora, com distribuição dos selos Fleeting, Midsummer Madness e Rapadura Records, na coletânea “Besides”, cujo próprio título brinca com a ideia do material extra, “lado B”, do último álbum.

Por Pedro Dias.

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