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Música para cortar os pulsos, música para amar – A volta do Smack 22 anos depois

Sempre achei preconceituoso, rasteiro e injusto o rótulo de “música depressiva” que foi colado no som do Smack. Esse caráter de aniquilação total, de pré-suicídio, existia no primeiro disco “Ao Vivo no Mosh”, mas lá se foram 23 anos. “Smack 3”, o EP que está sendo lançado agora, serve para sepultar a idéia simplória de que o Smack é uma banda depressiva que fazia música para se cortar os pulsos. O novo disco tem até música de amor, “Verlan”, uma deliciosa brincadeira troca-letras com nomes de pessoas.

smack2.jpgO Smack é o segredo mais bem guardado do rock brasileiro dos anos 80. Fez dois discos mitológicos – “Ao Vivo no Mosh” (1985) e “Noite e Dia” (1986) – e virou lenda entre músicos e artistas. O fato de ser cultuado num pequeno círculo é uma injustiça histórica. Se o mundo fosse justo, é claro que o Smack seria tão famoso quanto os Mutantes ou Gang of Four. 

Mutantes e Gang of Four não foram citados ao acaso. Como essas duas bandas, o Smack faz música com cara própria, que não se parece com nada que você tenha ouvido. Tenho um palpite sobre as razões de o Smack ter construído um som pessoalíssimo. Quando a banda foi criada, em 1984, parecia um projeto paralelo de músicos que tocavam em algumas das bandas mais cultuadas daquela década. Edgard Scandurra (guitarra) era do Ira!, Sandra Coutinho (baixo), das Mercenárias, e Thomas Pappon (bateria), dos Voluntários da Pátria (e mais tarde Fellini, hoje The Gilbertos). Pamps tinha as credenciais mais estranhas para o grupo que nascia – tocara com a banda Isca de Polícia de Itamar Assumpção, com direito a ter seu nome citado no primeiro disco de Itamar.

O perfil de projeto paralelo impedia que se visse o óbvio: que o Smack era uma superbanda. Não uma superbanda formada para faturar, como é a regra na história do rock, mas para extravasar qualidades que os músicos não conseguiam canalizar para suas bandas de origem.

smack-centro-cultural-web.jpgEsse desinteresse pelo mercado – ou afeição exclusiva pela música – acentuou-se no novo trabalho. Nada é óbvio em “Smack 3”. A música parece cada vez mais cubista. Como acontece com o olhar diante de uma obra cubista, o som do Smack nunca vai para onde você imagina. O mais divertido, para mim, é que a sucessão de anticlichês às vezes vem acompanhada de um mega clichê, talvez para lembrar o ouvinte que aquilo é música pop, algo para não ser levado muito a sério.

A maior novidade de “Smack 3”, porém, é um certo flerte com o non-sense – as letras adquiriram um tom dadaísta, principalmente em “Verlan” e “Excomungado”. Nessa última, o aparente infantilismo da letra (“U papapoibíu, u papapoibíu/ Popíca pupazê num pódi”) é o disfarce que a banda usa para falar de coisa séria – as trevas em que a Igreja Católica mergulha ao tentar ditar regras sobre a vida cotidiana.

por Mario Cesar Carvalho é repórter e escreveu os livros “O Cigarro” e “Carandiru – Registro Geral”

 

EP “3”
gravado nos Studio Paris (agosto 2007), Cabeça de Estopa e masterizado por Walter Lima (Mosh Studios)
músicas:
Se você” (Edgard Scandurra / letra: Arnaldo Antunes)
Qu’est ce que tu pense” (música e letra: Pamps)
Excomungado“(música e letra: Pamps)
Tempo tempo tempo” (música e letra: Edgard Scandurra)
Verlan” (música e letra: Pamps)
(foto principal desta página por Maurício Abões)
(capa “3” por Michel Spitale)

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3 (2008)

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