O jornalista Filipe Albuquerque postou um texto emocionante sobre o Second Come em sua coluna Blog Vox, publicada pelo portal Bem Paraná. Ele e a amiga Ludmilla Lima fizeram uma entrevista com Fábio Leopoldino e com Francisco Kraus no final dos anos 90, quando a amizade dos dois ex-integrantes do Second Come andava estremecida. Com autorização do Filipe, vamos republicar o trecho da coluna que fala do Second Come:

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“Publico o texto produzido pela amiga Ludmilla em 2000, que conta parte da história da banda sob o olhar de dois estudantes de jornalismo que mal sabiam direito o que estavam fazendo, mas que tentaram fazer o melhor. Pra concluir o curso e pra tentar ver o livro publicado, o que nunca aconteceu.

(…)

Leopoldino e Kraus em fogo cruzado
Falar com os dois ex-membros do Second Come hoje em dia é pagar para entrar em uma guerra
(por Ludmilla Lima, escrito para o TCC “Tropical Indie”, 2000)

No underground carioca circula a máxima: Fabio Leopoldino e Francisco Kraus não podem ouvir um o nome do outro.

É quase isso. Perguntado sobre os anos que esteve à frente do Second Come, Fabio é categórico: “Desculpe, mas eu não sou muito bom para guardar fatos que não vão servir no futuro. Talvez, outro membro da banda possa ser-lhe mais útil nesta parte”. Mudar de pergunta adianta pouco. “O que você considera como principais fatos que aconteceram ao fenômeno do Second Come?” “Não sei”, devolve Fabio.

O Second Come nasceu em 1989, quando Fabio e Francisco acabavam de desfazer a primeira banda em que tocavam juntos, o Eterno Grito. Marcado por toda carga de influências dos anos 80, era um grupo que compunha em português e dava lá seus shows. “Éramos mais jovens e, conseqüentemente, mais bobos. Queríamos fazer parte do mundo da música que ouvíamos. Joy Division, The Cure e outros. Para mim, foi o começo de uma experiência”, relata Fabio.

Na nova banda já não seria assim: desde o princípio, estava decidido que o Second Come apenas comporia em inglês. “Cantar em inglês para mim é uma coisa normal”, explica Fabio. “Desde pequeno, escuto música em inglês. Minhas irmãs e meu irmão escutavam músicas em inglês e eu não perguntava por que motivo eles não escutavam MPB. Até então, eu não fazia idéia de que existia uma MPB. Os jornalistas, empresários e ‘mpbistas’ é que se aborreciam com isso. Era mais medo do que amor à pátria, como proclamavam.”

“Com o fim do Eterno Grito, a gente decidiu que queria fazer algo totalmente diferente: colocar mais peso e tivemos umas idéias psicodélicas”, lembra o baixista Francisco. Ele mesmo admite que esse desejo de psicodelia morreu na primeira fita que a nova banda tentou gravar: basta citar que, no começo, as músicas do Second Come recebiam teclados nos arranjos. Para quem conhece os dois álbuns da banda, isso é algo quase inimaginável. Além de Fabio e Francisco, a primeira formação contava com Fernando Kamache na guitarra (membro do Second Come até o fim) e o baterista Dalton. Mais adiante, as baquetas ainda trocariam de dono duas vezes: seus substitutos seriam Kadu (mais lembrado na memória de quem acompanhou a banda) e Reyson.
Três, dois, um… boom!!!
Finalmente, a idéia de qual sonoridade seguir ficou mais direcionada e a banda gravou a sua primeira demo. “A gente gravou a fita com a única finalidade de conseguir agendar shows”, destaca Francisco. Foi ele mesmo que redigiu um release para apresentar a banda e entregar em casas noturnas, acompanhado pela tal fitinha. Era abril de 91 e a demo Wade’s Bed já continha a faixa que veio a ser o grande hit do Second Come: “Run, Run”.

É interessante notar que uma banda que cresceu tanto nessa época tenha algo a reclamar. Francisco tem e o problema parece ter sido muito mais o modo como a coisa desandou: “A gente ensaiava e tinha uma meninada em Niterói que começava a curtir música… Bia (Drivellers), Leandro (Squonks, Stellarblast, Stellar), Simone do Vale (Dash, Autoramas), Rodrigo Lariú… A gente achava que estava criando uma cena. Só que a coisa era muito mais babaca. De repente, a coisa foi tomando uma proporção que todos ali se achavam os entendidos do underground. Isso atrapalha quem quer fazer música, porque fica de fora da panelinha”. Para ele, esse é um dos motivos de o primeiro show do Second Come ter acontecido no Sesc Pompéia em São Paulo, e não no Rio ou em Niterói, como seria de se esperar. “Fui com esse release e a fita até o Sesc e o Retrô em SP e consegui agendar esses dois shows. O dono do Retrô acabou agitando outros shows para a gente, e aí sim a coisa foi acontecendo”, explica Francisco.

“Realmente éramos muito requisitados. Todas as bandas vivas naquela época queriam abrir nossos shows”, cita Fabio. Ao contrário de Francisco (que diz nunca ter entendido muito bem porque as pessoas gostaram tanto da banda e tão de repente), o ex-vocalista afirma sem modéstia: “Eu sabia que o Second Come iria ter uma boa projeção. Sem vaidade, nós éramos bons. O negócio era que eu sempre fui muito ligado em música e pouco ligado ao showbusiness. Para mim, o Second Come foi mais uma escola na procura da minha música pessoal. Nada particular, mas existia uma procura pessoal de como a música deveria ser feita e de como deveria ser tratada”. Algo que Francisco rebate sem pestanejar: “Esse foi um dos motivos que matou a banda. O Fabio foi se tornando uma pessoa insuportável e egoísta. A banda era algo pessoal, dele. Eu converso com os outros membros até hoje, não temos nenhum problema quanto a isso”.

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Diametralmente opostos
É íncrivel notar a oposição quase diametral do pensamento de cada um deles e imaginar, com todos esses anos de distanciamento dos fatos, que os dois conseguiram, um dia, estar juntos em uma banda. E não em uma banda qualquer: no Second Come, na grande banda do underground, que conseguiu vender mais de três mil cópias de seu primeiro vinil, You, assinando com o selo Rock It!, de propriedade do ex-Plebe Rude André X e do eterno ‘legionário’ Dado Villa-Lobos.

Elogiadíssimo pela crítica, o Second Come recebeu destaque em críticas nos cadernos de cultura dos principais jornais do país: Correio Braziliense, Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo. A banda foi considerada revelação do começo da década pela então revista Bizz (hoje, Showbizz). Se há um ponto em que Fabio e Francisco concordam é que as críticas escritas por Marcel Plasse foram fundamentais para a banda: “A gente não conhecia o cara. Não sabemos como uma fita nossa chegou até ele. O fato é que, depois de uma crítica muito elogiosa dele no Estadão, as coisas começaram a acontecer para a gente”, lembra Francisco.

O começo do fim
1994. Cinco anos depois, não era apenas o Second Come que cantava em inglês e, apesar disso (ou talvez por isso mesmo), arrebatava elogios da crítica, marcava shows com facilidade e formava seguidores. Ao menos no Rio de Janeiro, estavam em situação semelhante grupos como Pelvs e Cigarretes, só para citar dois exemplos de peso. “Acontece que o próprio Second Come, no segundo disco, era tão falso quanto a cena da qual eu fazia parte”, afirma Francisco.

O disco em questão é o derradeiro Superkids, Superdrugs, Supergod and Strangers, de sonoridade bem mais eletrônica, contrastante com a crueza de You. Foi assim durante todo o processo de gravação do segundo disco? “Para mim, é muito simples: nosso segundo trabalho foi todo baseado numa idéia do Fabio de criar modernidade. Foi totalmente pensado, perdemos a originalidade.”

“Eu penso que todas as coisas existentes no universo estão em evolução constante, mesmo que não seja notada. E a música é uma delas. E eu quero fazer parte desta evolução musical. Eu quero participar disso. E não me importo que as pessoas nunca falem da minha música, ou se algum dia irão dizer algo sobre ela.” A declaração de Fabio de alguma forma completa o que diz Francisco: “No segundo disco, o clima pessoal era tão ruim que eu chegava, gravava os baixos e ia embora. E depois participei de alguns shows de divulgação do trabalho”.

De show em show, a convivência foi ficando cada vez mais difícil, e aí já se sabe qual o caminho natural das coisas. “O motivo do fim da banda eu nunca expliquei a ninguém, porque eu não queria. Mas eu saí da banda porque fechei o ciclo e precisava de novos rumos”, explica Fabio que, em seguida, formaria o Stellar com remanescentes dos Squonks e Drivellers. “Eu não falo com nenhum integrante da banda, da mesma maneira que eu não falo com antigos amigos”, continua ele. Para Francisco, a coisa é muito mais visceral: “A única coisa que move esse tipo de banda é a amizade entre as pessoas. Você não ganha dinheiro, você não tem estrutura, local para tocar… nada”.

Hoje, Fabio, 36 anos, voltou para o Stellar. Em 99, lançou pela Midsummer Madness o CD de seu projeto Polystyrene, Underwater. Dá aulas de pintura e desenho: “Mas o que eu gosto mesmo de fazer, mais até do que musica (eu não comparo), é escrever. Contar estórias. Acho que tenho melhorado”. Apesar disso, um de seus projetos engavetados, o True Black Tones, deverá se transformar no próximo lançamento do Stellar.

Francisco, 38 anos, já formou duas bandas: o sessentista Terrible Head Cream, que durou até meados do ano 2000 para agora se transformar no Jess Saes, que começa a ensaiar a psicodelia da década de 70 com canções em português.
Estranho. Tudo muito estranho.

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