driving_music_2020

Driving Music é o projeto de Fábio Andrade, que “teve banda a vida inteira” até que uma mudança em 2014 fez a música sair do seu cotidiano. Fábio mudou de país e começou um mestrado, seguido de doutorado. Longe dos amigos músicos e imerso nos livros e textos, a música virou um desejo distante.

Mas veio a pandemia. O que aconteceu dai em diante, nas palavras do Fábio:

No final de Abril, eu tive um agravamento de um problema cervical que desencadeou um ataque de pânico – o primeiro, e até agora o único, que tive na vida. Certamente estar no epicentro mundial da epidemia do Covid-19 (Nova Iorque, Abril de 2020) colaborou com isso, além dos efeitos do próprio confinamento, que aqui ainda coincidia com o fim do inverno e um período especialmente exigente no trabalho.

Como atividades físicas ainda eram razoavelmente limitadas naquele momento, a primeira recomendação médica era de que eu fizesse alguma coisa que me tirasse do trabalho intelectual constante que a minha profissão demanda – algo que já tinha sido sugerido em experiências que tive com ifá e astrologia. A resposta imediata foi voltar a fazer música com alguma regularidade, e o primeiro instinto foi gravar faixas de drone que demandassem uma exploração em tempo real dos instrumentos”.

Eu não sou muito hábil com multitasking, e esse tipo de atividade – assim como cozinhar – tem um lado terapêutico, porque eu concentro toda a minha atenção numa coisa que eu inclusive não domino bem, e preciso fazer com cuidado e delicadeza… se eu peso a mão, o fluxo é interrompido bruscamente, assim como uma desconcentração mínima na cozinha é suficiente pra eu queimar o almoço, ou me cortar com a faca.

‘Polaroid May Day’ é o resultado do primeiro dia em que fiz isso, e desde o início ela já me parecia uma faixa pronta, naqueles 40 minutos que levei para executá-la. De fato, há algo de experimental ali, porque eu tinha algumas regras básicas pré-estabelecidas que limitavam meu controle sobre o resultado – algo que tem a ver com a minha pesquisa acadêmica também, e que eu já há algum tempo queria experimentar com música.

Mas pra mim o resultado sempre foi musical, do contrário eu não teria lançado. Drone, noise e ambient se tornaram gêneros muito presentes no meu cotidiano, porque eu passo a maior parte do meu dia lendo ou escrevendo e eu não consigo escutar nada que tenha muita variação melódica (letra, então, nem pensar) enquanto trabalho. E acho que a faixa terminou expressando algo sobre a minha percepção do tempo da quarentena, ou mesmo de algumas sonoridades desses dias.

Nova York é muito movimentado, e a paisagem sonora da cidade mudou radicalmente quando tudo parou. Tudo que está na gravação foi feito de maneira institiva e reativa, mas depois eu percebi que vários dos sons que estavam ao meu redor – as sirenes das ambulâncias, os pandeiros e chocalhos que as pessoas tocavam pela janela todo dia às 19h para agradecer aos trabalhadores de saúde que terminavam mais um turno, assim como a própria necessidade de controlar a respiração – de alguma forma entrou na música. O disco vira um retrato desse momento.

A foto da capa foi tirada no dia seguinte, e tudo foi gravado, mixado, e masterizado em três dias – o que era também uma forma de exorcismo de uma pausa que já se alongava muito mais do que eu gostaria.

Ao mesmo tempo, ele parte do desejo de fazer música que possa interagir com o espaço e com o tempo das pessoas. Eu acho que o disco guarda um tipo de experiência para audições mais concentradas, porque ele nos convida a ajustar nossa escala de percepção musical para variações que são muito pequenas e que se revelam numa escuta mais atenta; mas ele também guarda outras experiências na interação com o ambiente, como música de fundo. Isso já era uma camada da música do Driving Music, mas aqui é como se os elementos que normalmente estavam no fundo das canções viessem para o primeiro plano, e as melodias fossem para o fundo.

Eu entendo que ele pareça uma ruptura, mas na verdade acho que a mudança talvez tenha sido a maior constante nesse projeto. Nesse sentido, esse disco não é diferente, porque ele traz mais uma face dessa relação com o mundo e com a música na qual as mudanças de vida, de cidade, e de formação se misturam com as mudanças de equipamento, de gosto, de técnica“.

“Polaroid May Day” parece marcar o recomeço de uma relação cotidiana com música para Fábio (leia mais aqui). Ele pretende lançar até o fim de 2020 um novo EP com duas canções que vem sendo pensadas ao longo dos últimos dois anos. “Deve se chamar ‘Afterimage’. Estou também finalizando uma remasterização do EP de 2010, incluindo algumas faixas e versões inéditas gravadas naquele mesmo ano que não foram lançadas“.

Ouça o EP de 2010, o álbum “Comic Sans” e a nova “Polaroid May Day” na página da banda.
Ouça, baixe e compre “Polaroid May Day” no Bandcamp.
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