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foto por Eugênio Vieira

O tempo correu rápido, mas Bingo o alcançou
por Marco Antonio “Bart” Barbosa

“You know the time is running fast
You know the time is running fast
You know the time is running fast
Over me
And over you” 

O tempo corre rápido. Já corria quando os versos acima, da canção “Under Lights”, foram escritos. De lá para cá, tudo passou mais rápido ainda. Em 1997, quando os Cigarettes lançaram seu primeiro álbum, “Bingo”, não havia internet rápida. Aliás, para praticamente todo mundo, não havia internet, ponto. A moeda corrente na cena do rock independente era a fita cassete. Gravar e lançar CDs custava caro, muito caro, mesmo em uma era pós-hiperinflação (o Plano Real completara dois anos de implementação). E em 1997, discos de vinil eram um anacronismo abandonado por gravadoras e ouvintes.

O tempo correu rápido e chegamos a 2022. A internet 5G é ubíqua. A inflação voltou, menos feroz que antes. (Até quando?) Gravar CDs é fácil e barato, mas ninguém quer mais saber de CDs, só de cassetes (de novo!) e de… discos de vinil. Outra coisa que não existia em 1997 era a prática de relançamentos comemorativos de álbuns históricos, geralmente em edições cheias de penduricalhos. O tempo corre rápido e nossos discos favoritos completam 15, 20… 25 anos de lançamento. E o primeiro álbum dos Cigarettes, “Bingo”, que sobreviveu como uma heróica e rara relíquia digital da década de 1990, correu atrás do tempo e o alcançou. Hoje, podemos ouvir um dos trabalhos mais importantes do rock indie brasileiro em glorioso som analógico, remixado e remasterizado, com direito a faixas extras. Um tratamento outrora reservado a dinossauros, incomum no Brasil até mesmo para medalhões consagrados.

Tanto em termos sonoros quanto mercadológicos, “Bingo” é um instantâneo histórico, um retrato de uma fase mais espinhosa e incerta do indie rock brazuca – espinhosa, incerta e cheia de boas lembranças. Não sabendo que era “impossível” lançar um CD independente com canções cantadas em inglês em 1997, Marcelo Colares, Rodrigo Lariú e o selo midsummer madness foram lá e lançaram. Com o passar do tempo, multiplicaram-se as lendas sobre o álbum. Dizem que o álbum foi remixado depois de pronto, na calada da noite, por Colares, à revelia dos demais envolvidos. Metade da tiragem original foi enviada para um distribuidor de Portugal e desapareceu, o que contribuiu para a atual raridade do CD original.

Mas vamos imprimir os fatos, não a lenda. E os fatos são a música. “Bingo” soa tão fresco e encantador quanto em 1997. Ou ainda mais, com o benefício do som remasterizado. Mesmo as pequenas imperfeições no instrumental e/ou nos vocais tiveram seu charme naïf elevado. O crunch em “Show”, “We’re Gonna Make a Sound”, “Sweet Little Darling” e “Junk” nunca pareceu tão crocante. Já o shimmer de “Happiness”, “The Beauty of the Day” e “Friendship” nunca foi tão límpido. Assim como “Blues”, “Say Goodbye”, “Naturally Sad” e “Fool” nunca soaram tão melancólicas. “You Gonna Make a Movie” ganhou cores cinematográficas, um rave-up em Cinemascope e Technicolor. E quando Colares canta os versos que abrem este texto, na abertura do mini-épico “Under Lights”, sua voz nunca soou tão perto de nós, para submergir num dos grandes momentos de heroísmo guitarrístico daquela década. Sempre foi o encerramento perfeito para o disco.

O tempo passou e a reedição de “Bingo” não se encerra mais com “Under Lights”. Ao menos para quem estica a audição para além do LP, complementada por mais quatro faixas de 1997 que até agora permaneciam inéditas. Cada uma, a seu modo, é surpreendente. Em “Lautréamont”, homenagem ao autor dos Contos de Maldoror, os Cigarettes ensaiam uma rara batida dançante. A curtinha “Little Puppets” junta um pique quase punk a vocais em falsete. Mais curta ainda, “Vendetta” é pouco mais que uma divertida vinheta instrumental. E “Folk Song” é isso mesmo, uma faixa 100% acústica ao violão. Nenhuma delas se encaixa completamente no molde das outras canções de “Bingo”, todas permitem imaginar como seria o segundo álbum da banda, se tivesse sido gravado imediatamente… Mas o tempo correu, e o LP subsequente só saiu quase 10 anos depois. É uma outra história, para outro dia.

Por mais que o tempo tenha corrido rápido (até demais) e a nova mixagem de Eduardo Ramos e o remaster de Alan Douches tenham trazido inédita clareza e punch, um aspecto fundamental de “Bingo” não foi alterado. Pode ter mesmo se intensificado. Refiro-me à sensação de que o disco existe em um universo paralelo, mais inocente e sonhador e ao mesmo tempo mais ambicioso. Um universo no qual canções barulhentas fazem sucesso na rádio e na TV; onde a melancolia e o romantismo juvenil sejam vistos como qualidades, não sinais de imaturidade; e onde podemos nos referir aos Cigarettes sem tantos complementos e apostos. Não como “uma das mais importantes bandas da história do indie brasileiro”, e sim como “uma das mais importantes bandas brasileiras”, apenas.

Marco Antonio “Bart” Barbosa é jornalista e possui um exemplar original de Bingo em CD desde 1997.

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foto de Eugênio Vieira

The Cigarettes foi formada no Rio de Janeiro em 1994 por Marcelo Colares, guitarrista, vocalista e principal compositor do grupo. Com mais de vinte anos de carreira, quatro discos oficiais e inúmeros registros em fitas k-7 e outros meios, o grupo é referência fundamental para quem quiser entender o Indie Rock brasileiro. O primeiro disco da banda, “Bingo” (1997), lançado pelo midsummer madness, é considerado um clássico e se transformou em objeto de disputa entre colecionadores.

“What is that sound high in the air”,
pergunta-se T.S.Eliot no quinto trecho de seu poema “The Waste Land”.

Nesse que é um dos textos centrais da poesia modernista na língua inglesa, publicado em 1922, o autor perpassa vida, morte, religião, esperança e desespero num caleidoscópio de imagens febris. Não há em “The Waste Land“, o novo álbum da banda fluminense The Cigarettes, o tom épico e avassalador da poesia de Eliot. Ao contrário: trata-se de uma jornada intimista, feita de sussurros e não de brados aos céus. Só que, por vezes, o paralelo entre os versos modernistas e o universo habitado por Marcelo Colares, vocalista e compositor do grupo, se torna irresistível. Quem conhece pode confirmar: vai dizer que o seguinte trecho da “terra arrasada” de Eliot não poderia ser uma letra de Colares?

“My nerves are bad tonight. Yes, bad. Stay with me.
Speak to me. Why do you never speak. Speak.
What are you thinking of? What thinking? What?
I never know what you are thinking. Think.”

“The Waste Land” é o quarto álbum dos Cigarettes. A banda vem trilhando um caminho absolutamente à parte dos sabores momentâneos do mercado, alheia até mesmo às modas da cena indie brazuca, que ajudou a levantar. Mas nos últimos anos, vejam vocês, Colares tem retornado à superfície de forma cada vez mais constante. Desde o último LP (homônimo, lançado apenas em vinil), o grupo tem feito shows e gravações que desembocam agora neste novo trabalho.

É o disco mais delicado e intimista da banda, fundamentado num clima lo-fi que transporta o ouvinte para dentro do quartinho solitário onde Colares compôs, ou deve ter composto, essa nova safra de canções. O eterno embate que sempre caracterizou sua obra – introspecção lírica X musicalidade efusiva – está presente, com a balança pendendo mais para a melancolia. A luminosidade pop do passado foi substituída por uma atmosfera enevoada. Entretanto, em meio às guitarras ora ruidosas, ora caprichosamente melodiosas, entre os frágeis lamentos ora apaixonados, ora desolados, emergem potenciais clássicos.

Assista ao mini-doc dirigido por Eugênio Vieira sobre a gravação do disco:

A trinca de canções de abertura – “Atenas” (esta instrumental), “17 Years” e “Crystalline Rebirth” – mostram que o dom melódico permanece intacto. Na única música cantada em português, “Mantra da Espera” (uma versão para composição original de Laura Wrona) Colares contrapõe um arranjo sombrio ao tom esperançoso da letra (“Quando menos se espera / do inverno mais frio / sempre surge a primavera”).

Como em outros tempos, as femmes fatales surgem para tirar o sono do poeta: em “Plus Belle” ele anseia pela encrenca (“you said you were trouble / I said you are everything I want”), e em “Mandy V2” Colares se encontra perdido na temida friendzone (“Because we work together / but we are not together / and I guess we’ll never be”). No noise desconstruído da faixa-título, possivelmente o momento mais experimental da carreira da banda, o vocalista promete: “And when the world ends / I will meet you somewhere else”. “The Waste Land” pode não ser o “som alto no ar” que intrigava Eliot. Mas não deixa de ser um belo reencontro.

Felizmente, antes do fim do mundo.
(texto por Marco Antonio “Bart” Barbosa – Telhado de Vidro)

“The Waste Land” saiu nos formato digital e CD (tiragem limitada).
gravado entre 22 e 26 de maio de 2015 no Estúdio Tranco em São Paulo
Produzido por Marcelo Colares e Sergio Ugeda, Engenheiro de som: Sergio Ugeda; Técnico: Leonardo Tomás de Almeida.
Capa por Bárbara Scarambone.
Compre a versão digital do álbum “The Waste Land” em alta resolução (wave, aiff e mp3 de 320 kbps) clicando aqui
Compre a versão digital do álbum “The Waste Land” no iTunes – https://itunes.apple.com/us/album/id1022974632

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Colares e Ugeda em estúdio (foto de Eugênio Vieira)

No começo de 2016, Marcelo lançou “Impossible Crush”, um single, gravado em novembro de 2015 no estúdio de Bruna Buzollo em São Paulo, com ajuda de Bruna no baixo, teclados, bateria eletrônica e programações. Gabriel escreveu a respeito:

Beto Guedes cantava que medo de amar é o medo de ser livre. ele nos lembrava que o amor, essa abstração inefável, desgastada por todas as canções já feitas e todas as que ainda estão por vir, era acima de tudo estar de portas abertas para o sol entrar. amar é estar livre para aquilo que der e vier, com todos os riscos que isso implica. é não sentir o firme do chão sob os pés. perder o controle de si.

a impossible crush é o inesperado que cresce — ou irrompe mesmo — dentro de nós. aquilo que não vemos chegando, mas que atinge com tanta força e que nada mais parece existir.

e a gente se pergunta: what is happening to me? what is just everything that connects you to me?

não se sabe dizer. e na verdade nem interessa. lá fora o mundo segue explodindo em seu fim. nós, existimos. apesar de todas as pequenas impossibilidades, as coisas são entre Nós.
no one is a lover alone.

Para A.C.
Gabriel Albuquerque


 O que andam escrevendo sobre “The Waste Land”:

Em “The Waste Land”, O Cigarettes envolve tudo isso numa atmosfera sonora delicada, sensível e introspectiva. Um ambiente enevoado onde a visão esconde mais do que mostra. Um espaço menor, que faz a música se desdobrar em múltiplas percepções e sentimentos.
Leia a resenha de Gabriel Albuquerque no Scream & Yell na íntegra.

“Se o ‘mundo indie’ fosse justo, hoje todas essas bandas de guitarra que estão por aí, mais suas assessorias, jornalistas amigos, groupies e agregados deveriam de alguma forma pagar tributo ao Cigarettes. (…) Pode-se dizer que The waste land é menos ruidoso que seus antecessores, mais tranquilo e por vezes melancólico (o ‘pode-se dizer’ vem principalmente devido à preferida da casa “Mandy V2”), mas mantém a sonoridade lo-fi característica da banda e os mesmos vocais preguiçosos à J. Mascis de Marcelo.” Leia na íntegra
Pequenos Clássicos Perdidos

“The Waste Land” explode nas caixas de som com a instrumental “Atenas”. Dali em diante, a maçaroca de guitarras e efeitos estaria garantida com a bela “17 Years”, balada que lembra os arroubos melancólicos de um certo senhor chamado Serge Gainsbourg.
Caderno 3 – Diário do Nordeste

Tanto que a mais interessante das sete novas tocadas é a bonita “Plus Belle”, que, ao vivo ganha um ritmo mais acelerado sem deixar escapar a doçura que lhe caracteriza.
Marcos Bragatto sobre o show de lançamento no Audio Rebel, 24/07/2015 – Rock em Geral.


Vídeos:

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Bingo – 25th Anniversary Deluxe Edition
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Come On Feel the NoiZe – BraZil Class’17 – midsummer madness division
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