Lançado em DVD em 2010, “Cassim & Barbária – Na Estrada, no Estúdio” é um diário de bordo da turnê que a banda fez em 2009 por terras norte-americanas, incluindo trechos da viagem, de shows e com um recheio para lá de bem produzido deles executando várias músicas ao vivo, em estúdio, já de volta ao Brasil. Esse DVD, com quase 45 minutos, está sendo relançado hoje no YouTube via midsummer madness.

Como Cassim relembra no texto abaixo, escrito especialmente para o relançamento, além do aprendizado DIY, a estrada que hoje tanto nos faz falta, é essencial para o amadurecimento sonoro das bandas.

 

Crônicas de um amadurecimento sônico
por Cassiano Fagundes (Cassim)

Há não muito tempo, havia um tipo de quilometragem que só a estrada podia dar a uma banda. Essa realidade parece ter sido radicalmente alterada, e hoje, desde a perspectiva da pandemia, o que aconteceu comigo doze anos atrás parece um sonho improvável.

Em março e abril de 2009, poucos meses depois de formar o Cassim & Barbária em Florianópolis, eu me vi dentro de uma van, atravessando a América do Norte durante 40 dias com os meus parceiros musicais e amigos Guilherme Zimmer, Eduardo Vicari, Leonardo Kothe, Heron Stradiotto, Alexei Leão e Gabriel Orlandi.

No começo da viagem, eu não sabia direito o que era o nosso som, e muito menos o que seria uma “turnê”, conceito que hoje parece estranho, anacrônico e, principalmente, inviável. Mas, na época, depois de 12 mil quilômetros rodados, percorridos por 19 estados nos Estados Unidos e duas províncias canadenses, com shows e festivais como o SXSW, em Austin (Texas, EUA) e Canadian Indie Week (Toronto, Canadá), e em casas de todos os tipos e tamanhos, achei que tinha me encontrado.

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Era o que eu queria fazer todo ano, em todos os continentes, pelo resto da minha vida. Tínhamos forjado um som na marra, na base de muita bunda quadrada, muita noite mal dormida, muita passagem de som na correria, muito show vazio. Fora as apresentações de muita gente boa, e as horas de audição de CDs na rota, grande parte deles de bandas do mundo todo com quem estávamos tocando, e que também viajavam o continente por conta dos festivais da estação.

Na mochila, levávamos nosso primeiro EP, gravado especialmente para a viagem. Tinha sido lançado antes de embarcarmos pelo midsummer madness, e foi distribuído nos Estados Unidos pelo selo nova-iorquino BNS Sessions. Mas o registro logo ficou obsoleto: nossa música foi ganhando vida própria, tornando-se estranha (no bom sentido) e fazendo com que a autodescrição inventada nas pressas, “rock subtropical”, se tornasse uma realidade sonora.

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Foi o resultado de tantos shows, em palcos de cidades como Philadelphia, Asbury Park, Boston, Montreal, Athens. E igualmente, um efeito colateral de termos marcado pessoalmente por telefone e email, ainda no Brasil, cada uma das datas, negociando cachês, estadias, falando com produtores, com bandas desconhecidas, e algumas mais famosas. Os sensos de independência, de autogestão e de produção de turnê valeram mil ensaios. Novas influências musicais eram absorvidas diariamente, no som tocando na rádio do café do posto, no show da banda escocesa predileta em um lugar para poucas pessoas, nos truques de afinações que você aprendia com a banda japonesa, nas conversas com o público.

Quando voltamos, eu realmente achei que aquela seria a primeira de muitas tours pelo mundo, impressão que você pode ter me vendo falar no DVD Na Estrada, No Estúdio.

Na verdade, aquela experiência nos proporcionou voltar logo na sequência para o Canadá, e tocar na Argentina e no Brasil inteiro, graças aos contatos feitos na primeira viagem. Contudo, empreitadas como aquela são caras para independentes, e descobrimos que viajar pelo Brasil era igualmente uma grande aventura, só que bem mais barata e viável. Nunca mais fomos tão longe. Depois daquela “estreia” internacional, lançamos mais dois álbuns e tocamos muito por aí. Mas as demandas da vida fizeram com que inativássemos a banda em 2018.

O negócio é que, quando voltamos ao Brasil em Abril de 2009, estávamos tão inspirados pela experiência que quisemos mostrar que artistas independentes brasileiros podiam viajar o mundo, mesmo com poucos recursos. Juntamos nossos vídeos, diários e impressões de turnê com esse intuito. O grupo também entrou no estúdio para documentar em som e imagem o seu amadurecimento musical, forjado nas míticas estradas norte-americanas.

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A estrada parece distante da realidade de artistas de diferentes partes nesse momento, mas espero muito que ela se abra novamente. A viagem na América do Norte, e as outras depois, mais perto, não nos fizeram famosos, nem ricos, e nem mesmo notórios. Contudo, elas mudaram a minha vida, e também minha percepção de o que realmente é tocar em uma banda de rock independente. Gostaria que todos que fazem parte desse universo pudessem ter a chance de vivenciar essa experiência.

“Cassim & Barbária – Na Estrada, no Estúdio” foi dirigido e produzido em parceria com Alexei Leão, que viajou com a banda como técnico de som. O DVD foi lançado em 2010 com apoio do Funcultural da Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte de Santa Catarina. Onze anos depois, consciente do legado de seu selo na cena independente, a midsummer madness relança o documentário nas plataformas digitais. É mais um documento da força da independência artística brasileira.

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